Pela passarela passou sozinha. Não era uma top model; apenas
dirigia-se para a estação do metrô. Por alguns segundos, teve a companhia de
uma chuva suave. Essa tocou o seu rosto delicadamente (melhor do que muitos
homens o haviam tocado). Girou a sua sombrinha para deixar cair as pequenas gotas daquela amistosa chuva que, naquela altura, já havia partido. De repente, vislumbrou um céu indeciso
que se abria na Via Expressa. Parou. Fotografou. Partiu. O restante do caminho o trem urbano já conhecia.
Afirmação? Pergunta? Confundo pontuações. Já vi ponto final em começo de frase. Já vi exclamação abrindo parêntese. Não a vi fechando-o. Isso tudo aconteceu quando morri pela segunda vez. Sem reticências. Ferida por interrogações. Só voltei por uma razão: do meu epitáfio, retirem a pontuação. Deixem somente a poeira.
- Ela morreu. - De quê? - De amor. - Por quem? - Por mim. - Não acredito. - Eu juro. - Amor não mata. - Mata e é viral. O médico me deu três dias de vida.
Revisitei o passado. Surpreso, ele abriu-me a porta. Entrei ensaiando frios passos. Reconheci a mobília. Temi a nova decoração. Sentei-me querendo deitar-me. Respirei, suspirei. Forasteira, recuei para a entrada: ela não mais existia. Fui embora pela porta dos fundos. O passado não me pediu para ficar e nem me acompanhou até a saída. Despedi-me. Ele não me respondeu. Chorei sem olhar para trás. Consagrei o rito.
Nem sempre o mesmo gosto. Nem sempre o olhar exposto. Nem sempre se reconhece o gesto. Nem sempre se aceita o resto. Nem sempre se vive o presente. Nem sempre o medo é recorrente. Nem sempre se aceita e verdade. Nem sempre se vive na sobriedade.
Nem sempre se encontra a rota para o País das Maravilhas.
Meu coração, acelerado, tentava entoar uma melodia que velasse o teu sono. Meus olhos, paralisados, tentavam penetrar em teus mais secretos sonhos. Meus braços, inquietos, imaginavam-se abraçando e embalando o teu corpo. Meus lábios, sedentos, desejavam revisitar os traços do teu rosto. Eu já não sabia se era noite ou se era dia. Apenas te olhava, enquanto dormias.
E de repente, no fim de um dia cansativo, ainda arrumo fôlego para relembrar a minha infância. Sigo a lógica cronológica e me vejo adolescente (aborrecida e aborrecente), num salto do tempo vejo-me adulta. Vejo-nos. Quando fico triste (mania que não perco) lembro-me de você, e de tudo que compartilhamos. Lembro-me das nossas alegrias, das nossas irreparáveis perdas e dos nossos choros abraçados. Lembro-me também dos nossos corações partidos. Acho melhor esquecer. Não preciso entrar em detalhes; você é íntima da minha fala. Na verdade, na minha voz há a sua voz, as minhas mais profundas lembranças também são as suas. Há quem nos conheça de verdade, há quem não nos conheça nem um pouco, mas, no final das contas, o importante é que nós duas nos conhecemos; reconhecemo-nos. Fazemos do plural um lindo singular. Alguns amigos se vão, outros reencontram o caminho e voltam e alguns simplesmente ficam. Esses últimos, são os que acabam se tornando parte de nós. Saudosismos e filosofias à parte, te amo!
I dream and forget the pain. No loss, no gain. I just close my eyes. Can I make up the lies? It’s late, but I wait for you. Someday, we’ll be true. There, summer or fall, for my name you’ll call.
Eu a conheço há anos. Hoje, somos dois estranhos. A nossa sede se esconde. A alucinação nos corresponde. A redenção nos faz feliz. Dividimos a mesma cicatriz. Ela é a minha abstinência. O amor; a nossa penitência. A pureza dela se perdeu. O pior vício dela sou eu.
O fim. O recomeço. Dentro de mim, o que desconheço. A permanência da culpa. Minha inconsequência. Minha desculpa. As vozes do não. As trapaças do perdão. A ideologia do belo. A sensatez do paralelo. O medo da verdade. As máscaras da realidade. Os ecos da fala. O poder do que me cala.
Eu sinto a falta. Reconheço a culpa. Convido-me ao exílio. Faço desse o meu abrigo. Recorro ao espelho. Estudo o meu reflexo. Olho em meus olhos. Eles choram. Acaricio os meus pulsos. Eles me respondem. Sangram.
Eu vislumbro os movimentos dela. Enquadro-os em minha janela. Através das lentes em meus olhos palpitam os meus impulsos. Embaço-me com lágrimas quase secas. Sinto a solidão. Forjo a minha escuridão. Confidencio-me com as cortinas. Anestesio as minhas retinas. Clamo pelo meu sono. Deito nele o meu abandono.
Declarei o meu amor na receita federal. Do meu medo pedi isenção. Prestei o meu tributo, Mostrei o meu atributo. Joguei-me na boca do leão. Que seja eterno o que é anual.